Caminhoneira transsexual de 70 anos falou sobre a sua trajetória e relação com a estrada.

Simpática e alegre, essa é Afrodite, caminhoneira transsexual de 70 anos, estrela de um comercial realizado pela Shell Rimula, marca de lubrificantes para caminhões e veículos pesados.

Natural de Jacarezinho, na região Norte do Paraná, apontou que ainda jovem, aos 12 anos, se mudou para São Paulo.

Ex-militar, atuou na fronteira Brasil-Bolívia e teve o sonho, não concretizado, de ser um oficial da Marinha.

O seu nome, Afrodite, inclusive, vem da sua paixão pelo mar. “Depois de alguns anos vim a entender por eu gostava tanto da água, porque, segunda a lenda, ela [Afrodite], veio do fundo do mar.”

Afrodite e a estrada

Após 5 anos trabalhando na Embratel, no Rio de Janeiro, realizando o transporte de combustível e o abastecimento de água com caminhão-pipa, tomou gosto pela estrada e não saiu mais.

Mediante a sua frustração na Marinha, se mudou para Corumbá (MS) para ajudar o seu pai, que havia comprado um estaleiro.

Foi então que se tornou motorista autônoma e começou a fazer viagens para São Paulo, buscando materiais para o conserto dos barcos que chegavam. Depois, adquiriu um caminhão-graneleiro e ingressou também no transporte de grãos.

Afrodite admite que “nunca gostou muito de transportar carga-viva e madeira”. Seu negócio era “mais grãos e máquinas agrícolas”.

Com uma vida agitada desde pequena, a sua rota, por muito tempo, foi a região Sudeste, Centro-Oeste e Norte do Brasil. “Já viajei por São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás, Porto Velho, região do Acre e norte do Mato Grosso.”

Atualmente, devido a idade e a uma cirurgia de catarata, não viaja mais como antigamente. “Diminui um pouco porque eu fiz uma cirurgia nos olhos, no ano passado, e parece que não ficou bom, mas eu ainda dirijo.”

Metamorfose ambulante

Insatisfeita com o seu corpo desde muito nova, ela conta que passou por um longo processo para se entender e se aceitar. “Desde a infância não me conformava de ser homem. Antes eu não sabia o que era homem, mulher e, primeiro com a minha mãe, depois na escola, eu me entendi.”

Ela ainda explica que, quando mais nova, “tinha revolta por seus seios não estarem crescendo.”

Apesar dos “engraçadinhos”, a relação com os amigos da estrada sempre foi tranquila, mesmo com a mudança. “Olha, eu nunca tive atrito nenhum. Tem uns engraçadinhos que ficam fazendo piada, mas sempre tem uns colegas deles, mais sérios, que fala e dá bronca.”

Além disso, Afrodite defende a individualidade humana. “Nós estamos no século XXI, temos que fazer aquilo que a gente merece para nós, para nossa vida, já tão conturbada. A nossa imagem [das pessoas transsexuais] não denigrem nada, nós não desrespeitamos a ninguém.”

Sem se esquecer dos caminhoneiros, ela lembra que, assim como ela, a classe, de uma maneira geral, sofre preconceito na sociedade. “Nós somos uma classe que é discriminada né, o simples caminhoneiro. Muita gente não sabe que a gente passa nas nossas lutas internas, nas lutas nos lares. Não é um copo de cerveja que vai deixar a gente mais alegre ou não, nós temos que viver a nossa vida, do jeito que somos e continuar nos respeitando.”

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