Preparativos para uma grande jornada

Por Mauro Cassane,
Editor do Portal

Na tarde da última sexta-feira, 26, todo comboio de caminhões da Fórmula Truck já estava parado na primeira cidade argentina depois de São Borja/RS, Santo Tomé. Em um grande pátio pavimentado com grama, ladeado por pastos dos pampas argentinos, 22 pesadões de cores vibrantes se destacavam no cenário campestre.

Os motoristas, ajudantes e mecânicos, homens habituados com as tensões e pressões das corridas, agora relaxam na grama, um grupo já tratou de comprar no mercado mais próximo umas boas peças da macia carne argentina para preparar um churrasco bem brasileiro.

Quase todos eles ostentam generosas provisões de tenras maçãs. Sacos plásticos nas boleias com dúzias de maçãs e peras graúdas. São frutas comuns dos pomares argentinos. E uma valiosa moeda de troca entre caminhoneiros das duas nações. Os caminhoneiros argentinos se encantam com os caminhões da Fórmula Truck, querem um “regalo”, oferecem, em troca, dúzias de maçãs e peras.

O escambo é feito no bom e velho “portunhol”. E todos saem felizes do negócio. Os brasileiros com as frutas saborosas, valiosas se adquiridas nos mercados das grandes capitais. E os argentinos, também satisfeitos, com seus bonés estilizados com as marcas que apóiam a Fórmula Truck.

No pátio estão todos tranquilos e relaxados, curtindo as horas que antecedem uma grande jornada de 850 quilômetros. Desta vez vão todos em comboio puxados por “Balula”, o experiente caminhoneiro da Fórmula Truck que conhece bem o território argentino, especialmente este trajeto até a cidade portenha.

“É um retão sem fim, mas extremamente perigoso, é comum presenciar muitos acidentes. É só o motorista vacilar, relaxar, para acontecer uma desgraça”, conta Balula, do alto de sua experiência por estas paragens.

A noite de sexta-feira passada foi amena. O frio não veio com a intensidade esperada. O churrasco começou cedo, ao final do crepúsculo todos já estavam satisfeitos. Olhando através da penumbra noturna parecia um acampamento de garotos com suas conversas e brincadeiras. Antes de bater dez horas cessaram as conversas, a turma se recolhe em silêncio, só se ouvia alguns grilos.

“Boa noite, amanhã vai ser pauleira”, diz Roberval Alexandre da Silva, o “Neno”, motorista do Stralis que leva os caminhões de corrida de Beto Monteiro e Paulo Salustiano, e mecânico da equipe Scuderia Iveco. Ah, sim, e mecânico também de toda turpe. Vira e mexe lá está o Neno enfiado sob algum caminhão para resolver toda sorte de problemas.

Na madrugada de sábado, antes das 4 horas, começa a movimentação. Os motoristas se agitam. O banheiro já está lotado. Alguns tomam banho, outros escovam os dentes. Uma turma lá fora prepara um café rápido. Alguns mais adrenados ligam os motores, acendem os faróis. É o momento. Em minutos, o relógio bate 4 da matina, e a maioria dos caminhões está com os motores ligados. O ronco parece botar pressa na turma. Os faróis acesos jogam fachos de luzes pela escuridão da madrugada. Os caminhões estão despertos. Parecem chamar seus motoristas para a viagem.

Para quem não é do ramo aquilo tudo parece assustadoramente caótico. São mais de vinte caminhões em uma espécie de pasto. Espectros andando de um lado para outro entre escuridão e fachos de luz. Malas sendo acomodadas. Carretas se abrindo, portas fechando e o retumbante e sonoro rosnar dos motores com mais de 300 cavalos.

Por um momento, nós, os jornalistas, ficamos literalmente perdidos no meio daquele alvoroço. Neno, sempre tranquilo e com um bom humor desconcertante a qualquer hora do dia ou da noite, eleito nosso anfitrião, tratou de nos dar uma mão. Ofereceu sua carreta vermelho Ferrari para acomodarmos toda nossa bagagem.

Rapidamente tratamos de pegar carona com a turma. Cada um dos cinco jornalistas na boleia de um caminhão. Como o Pace Truck estava vazio, pareceu-me uma boa ideia fazer uma  viagem de primeira classe. Conversei com seu motorista, Vignaldo Fizio, o Vig, que além de motorista já teve seus grandes momentos como piloto da Fórmula Truck, e subi a bordo.

Antes das cinco da manhã não havia mais homens andando pelo gramado do terreno. Apenas o vigia assistia, atônito, com um misto de encantamento e perplexidade, o comboio sair lenta e continuamente do estacionamento. O dia demora a clarear no Sul. O comboio segue pela noite, rumo à lendária Rota 14, o tal “retão sem fim” com o qual os caminhoneiros precisam ficar atentos sob pena de fazer parte de uma estatística triste e macabra.

Foto: Mauro Cassane

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